Inaugurando uma série de textos sobre a vida e carreira de ELIS Regina, após me embebedar da obra biográfica de Regina Echeverria sobre a vida da cantora que abalou as estruturas da Musica Popular Brasileira, um texto sobre a história da musica Atrás da Porta, uma composição de Chico Buarque e melodia de Fracis Hime. Nelson Mota descreve como ninguém o surgimento dessa obra prima, escrita e cantada, interpretada com requintes de emoção por Elis não somente por se tratar de uma música carregada de significados, mas por dizer sobre o momento que ela atravessava na sua vida pessoal (a separaçao de Ronaldo Boscoli), essa que se entrelassava em uma trama nem sempre perfeita com sua carreira profissional.
O trecho é extraído do livro "Noites Tropicais"de Nelson Motta onde ele conta muitas histórias do cenário musical de 50 a 90 por onde transitou.
Nelson diz:
"No Verão de 1972, Elis se separou mesmo de Ronaldo, num divórcio tão previsível quanto Tempestuoso...Roberto Menescal voltou a produzir seus discos, agora com a direção musical e o piano de César Camargo Mariano e uma banda totalmente diferente, talvez melhor...Um grande disco, mais equilibrado e sem aventuras, com um repertório de alto nível e uma Elis mais discreta e precisa. No disco inteiro ela se apresenta mais técnica e contida, mas em uma música explode de emoção como nunca e se derrama, chora e soluça as palavras de "Atrás da porta", uma de suas maiores performances em disco...
Quando Elis conheceu a música, levada por Menescal, a melodia de Francis Hime
tinha só a primeira parte da letra de Chico Buarque. Elis e César ficaram apaixonados pela
música e a gravação foi marcada para dentro de três dias. Nesse meio tempo, Menescal e Francis tentariam dar uma pressão em Chico para terminar a letra. À noite, separada de Ronaldo, sozinha na casa branca da Niemeyer, Elis resolveu fazer uma sessão de cinema,
convidando alguns amigos, entre eles César, para ver Morangos silvestres, de Bergman,
um clássico-cabeça da época. Mal o filme começou, César recebeu um bilhete de Elis, foi
ao banheiro ler e se espantou: era um “torpedo” amoroso. Atônito, César leu e releu,
acreditou e sumiu: completamente fascinado por Elis, era tudo o que secretamente
desejava. E temia. Então sumiu. Não foi encontrado nos dois dias seguintes em lugar
nenhum, os amigos se preocuparam. Mas no dia e hora da gravação, duas da tarde, César
estava no estúdio, Menescal se sentiu aliviado e Elis sorriu sedutora. César dispensou os
músicos, pediu para todo mundo sair, para colocarem o piano no meio do estúdio,
baixarem as luzes e deixarem só ele e Elis, para a gravação do piano e da voz-guia de
“Atrás da porta”.
Extravasando seus sentimentos, misturando as dores da separação com as
esperanças de um novo amor, Elis cantou, mesmo sem a segunda parte da letra, com
extraordinária emoção, com a voz tremendo e intensa musicalidade. Na técnica, quando
ela terminou, estavam todos mudos. Elis chorava abraçada por César. Juntos, César e
Menescal foram levar a fita para Chico, que ouviu, chorou, e terminou a letra ali mesmo, no
ato.
“Dei pra maldizer o nosso lar,
pra sujar teu nome, te humilhar
e me vingar a qualquer preço
te adorando pelo avesso
pra mostrar que ainda sou tua..."
Assim, Elis Regina cantou a versão definitiva de uma das mais poderosas e
dilacerantes letras de amor e ódio da música brasileira, produziu uma gravação antológica
e emocionou o Brasil com sua arte. E ganhou um novo namorado, com quem esperava
crescer na música e na vida."
(MOTTA, páginas 243-244)
Elis canta, chora, grita "nos teus pés ao pé da cama" - emoção a flor da pele.
Quando olhaste bem nos olhos meus,
E o teu olhar era de adeus.
Juro que não acreditei.
E o teu olhar era de adeus.
Juro que não acreditei.
Eu te estranhei, me debrucei, sobre teu corpo,
E duvidei, e me arrastei, e te arranhei,
E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pelos,
Teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama,
Sem carinho, sem coberta,
No tapete atrás da porta,
Reclamei baixinho.
E duvidei, e me arrastei, e te arranhei,
E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pelos,
Teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama,
Sem carinho, sem coberta,
No tapete atrás da porta,
Reclamei baixinho.
Dei pra maldizer o nosso lar,
Pra sujar teu nome, te humilhar,
E me vingar a qualquer preço.
Te adorando pelo avesso.
Só pra mostrar qu'inda sou tua.
Até provar qu'inda sou tua.
Pra sujar teu nome, te humilhar,
E me vingar a qualquer preço.
Te adorando pelo avesso.
Só pra mostrar qu'inda sou tua.
Até provar qu'inda sou tua.