domingo, 16 de janeiro de 2011

MEC lança cartilha para combater homofobia nas escolas

O ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou, nesta quinta-feira (13), que foi elaborada uma cartilha para orientar os alunos das escolas públicas sobre o preconceito e a aversão a homossexuais, a homofobia. Segundo o ministro, por ser “delicado”, o tema será tratado com critério. O material, já elaborado, ainda passará pela avaliação de um comitê de especialistas.

“O MEC tem sido muito criterioso. As obras que são mandadas para as escolas são clássicas ou passam por uma avaliação. O assunto é delicado, se não fosse, não precisaria ser trabalhado nas escolas. Vamos fazer isso da maneira mais respeitosa com a sociedade”, disse o ministro.

Haddad informou ainda que na fase de aprovação o material será discutido. “Não é uma questão de tomar partido, mas de cumprir uma obrigação constitucional de informar sobre um direito assegurado”, disse.

A necessidade de discutir homofobia nas escolas foi identificada pelo MEC, diante da constatação de que o assunto incita ódio, a violência e a exclusão, e pode até estimular a evasão escolar. A ideia é distribuir a cartilha em seis mil escolas do ensino médio.

Pensamento homofóbico

O assunto já vem gerando polêmica na Câmara dos Deputados. A bancada evangélica quer impedir a distribuição da cartilha. E o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por suas posições atrasadas e reacionárias, vem discursando sobre o assunto. Entre outras declarações desastrosas, o parlamentar disse, em entrevista em programa da TV Câmara, que os pais devem dar “um couro” nos filhos “meio gayozinhos”.

A vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Clara Goldman, que teve acesso ao material, nega que a cartilha estimularia a homossexualidade entre os jovens, argumento utilizado pelos parlamentares contrários ao material didático.

Segundo ela, “o argumento esconde um princípio de que essa sexualidade é ruim e tem que ser combatida, evitada. Essa é a base do pensamento homofóbico. A cartilha não orienta, não estimula, mas problematiza. Coloca no seu devido lugar a discussão que deve ser feita. O objetivo é que as pessoas LGBT possam ser respeitadas e que caibam na nossa sociedade, nos nossos espaços coletivos, o respeito a essa diversidade.”

De acordo com ela ainda, o CFP apoia a iniciativa do MEC. “Acho que a ideia de se produzir um material específico, que possa orientar essa discussão, é muito bem-vinda. Nós apoiamos a cartilha, mas nosso apoio não se restringe a ela. É em relação à luta pela promoção dos direitos dessa população em todas as políticas públicas, não só na educação. Apoiamos como uma possibilidade a mais de que, na formação, essa questão possa ser discutida com mais qualidade, assentada em princípios que sejam realmente de direitos humanos.”

De Brasília
Com agências


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MANIFESTO --- BRASIL NO ESTANDARTE, O SAMBA É MEU COMBATE.



“Se o poeta avisou
Que tem fim felicidade
Quero o rastro da passista
Vou na esteira de quem sabe
De quem vira a fantasia
E nos avessos da cidade
Vence sol ou chuva fria
Porque o samba é o combate”

E essa tal felicidade do povo brasileiro? Essa capacidade de transcender sobre o peso que pesa, de se iluminar sobre a dor que dói, de não esmorecer na batalha e fazer carnaval? E esse samba desse povo, que ninguém sabe se é alegre ou se é triste, que se entrega na noite mas se fortalece é no dia após dia, que lava alma de quem dele precisa? E esse país que ainda não raiou? Há quem diga que o samba é seu mal, a expressão preguiçosa de uma gente a quem não cabe muito celebrar nem antes nem depois da quarta-feira de cinzas. Seria o samba um falso remédio, um colírio ludibriante, um engano em compasso de dois por quatro?
Pra cima de mim não! O samba não tem erro e de malandro faz gigante. O samba é o recurso de quem não pode e se sacode, quem levanta, bate a poeira e dá voltas por cima do próprio destino. O samba é de quem sabe. Se viver é uma cruzada, a alegria é o estandarte, tamborim é a fé cega, o tantan a humildade, cavaquinho é luz de cima, o surdão toda vontade de o pandeiro dar o ritmo pra canção virar verdade.
Muito mais do que música, samba é o jeito de viver, gingar, pensar e decidir as coisas nesse pedaço de vastidão da América do Sul. É o traço de brasilidade que agrega toda a cultura nacional em sua complexidade e jogo de cintura. De que é feito o samba perguntam-se desde antropólogos como Hermano Viana o livro “O Mistério do Samba” até roqueiros convertidos como Marcelo Camelo em seu “Samba a Dois”, bem conhecido com o grupo Los Hermanos.
A União Nacional dos Estudantes (UNE), uma das mais antigas e marcantes instituições da sociedade brasileira, mergulha no universo do samba em sua 7ª Bienal com o tema: “Brasil no estandarte, o samba é meu combate”. A UNE, em um grandioso evento de oito dias e mais de 60 mil estudantes no Rio de Janeiro, deixa-se provocar e enfrenta a incômoda teoria de que o samba e a felicidade do povo brasileiro são inférteis. A Bienal abandona, corajosamente, o medo de que o Brasil termine em um imenso carnaval, sem prazo para a última batida. Juntos, os estudantes brasileiros mostrarão que ser feliz também é o combate.
Do ponto de vista conceitual e estético, fazer um samba na Bienal é promover um grande desfile da diversidade, baseado no aplauso e no improviso. Uma grande roda de bamba onde se entra o tempo todo em um ticuntum de idéias, tecnologias, saberes e fazeres. A escolha do samba para o evento permite a quebra sincopada das estruturas hierárquicas do conhecimento, dando lugar ao coletivo e à contribuição de cada um e sua caixinha de fósforos. O fascínio um tanto místico que move uma escola na passarela, que leva um país a cantar junto, é replicado, entre a juventude brasileira da Bienal da UNE, em uma onda de motivação e práticas solidárias que se multiplicarão para muito além do evento, porque todo samba é de combate.
A 7ª Bienal representa um amadurecido trajeto em busca dos fundamentos basais da identidade nacional brasileira. Ao longo de 11 anos, as bienais pautaram a herança africana na cultura do país, os vínculos do Brasil com a América Latina, a cultura popular e as raízes de formação do Brasil. O samba aparece, naturalmente, em meio a esse caminho, sintetizando um pouco de todas essas referências em uma manifestação que tornou-se, praticamente, sinônima de nação. Entendendo o momento histórico de crescimento do protagonismo internacional do Brasil, assim como da sua responsabilidade com a transmissão de valores positivos ao mundo, a Bienal da UNE recorre ao samba em sua dimensão complexa, festiva, crítica e redentora.
Em 2005, o samba de roda baiano foi incluído pela Unesco na lista dos Patrimônios da Humanidade. Em 2007, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Brasil (IPHAN) definiu o samba como Patrimônio Nacional. A partir de um qualificado rol de convidados e mesas-redondas, grandes atrações culturais, assim como da transversalidade de linguagens como música, cinema, teatro, arte digital, literatura e artes visuais, a 7ª Bienal da UNE também consagra o samba como riqueza imaterial da sociedade brasileira, permeável para os mais diversos debates e propostas.
Do ponto de vista histórico e antropológico, a Bienal contribui para um resgate dessa manifestação, desde o século XIX, em cada uma das suas expressões, como a semba africana, a umbigada, o samba de roda, samba de terreiro, samba corrido, samba de gafieira, samba de breque, samba canção e a própria bossa nova ou o pagode. A partir de 1917 e daquele tido como o primeiro samba gravado – “Pelo telefone” de Donga e Mauro de Almeida – o samba passa também a constituir, por si, uma narrativa do desenvolvimento social e político do Brasil nos últimos 100 anos.
Segundo Hermano Viana, recorrendo à imagem de um possível encontro entre os intelectuais Gilberto Freire e Afonso Arinos com o músico Pixinguinha, o samba é alçado a símbolo da “identidade nacional” em um elaborado processo de intermediações sociais entre o povo e as elites. Freire recorta o Brasil de seu tempo, início do século XX, apresentando o mestiço como elemento síntese das coisas nacionais, em busca do viés definidor da autenticidade do país. Nesse momento, a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, vivia grande influência da cultura estrangeira, notada nas reformas urbanas de Pereira Passos e no apogeu da “Belle Époque” francesa. Com a nova formação do estado brasileiro, pós revolução de 1930, firmou-se a construção de uma memória de identidade nacional elencando o samba como manifestação “genuinamente brasileira”.
O samba da Bienal de 2011, revisitado e resignificado em uma cidade que se ensaia cosmopolita o bastante para receber, em 2014, a final da Copa do Mundo e, em 2016, os jogos olímpicos, é como a procura de um marco referencial da cultura brasileira. Adereçado de possibilidades e conexões como o samba-rock, a drum`n`bossa e as paradinhas do funk na bateria, o samba brasileiro tem grande contribuição a dar a outros povos mundiais. Prezando pelo alcance, a 7ª Bienal da UNE redistribui a nossa cultura, assumindo seus elementos de identidade na alteridade, miscigenação e antropofagismo cultural em direção a um novo grau civilizatório entre povos e nações que faça frente às constantes manifestação de intolerância, racismo e fundamentalismo pelo planeta.
Isso vai dar samba.

sábado, 8 de janeiro de 2011

AMOR FESTA e DEVOÇÃO por Marlon Marcos



O palco se enfeita de rosas vermelhas, as luzes formalizam um cenário que deixa crer que ali é ora rosas ora estrelas e a aparência imediata de uma suposta pieguice vai gerando no olhar sensações de conforto que só a profunda beleza nos pode acometer.

E ela chega. Não se sabe bem se cantando ou dançando - com seus pés alados sobre um céu vermelho -, a voz emite o som da devoção, a mulher singra seus projetos imprimindo canções, umas nas outras, numa elaborada formatação intelectual da intertextualidade. Mas é a fina arte neste País; O Brasil que a cantora resolveu escrever com a voz.

Seus movimentos são o equilíbrio entre o canto e o drama. A palavra sonorizada é tal igual à dita em récitas que rasgam o céu-cenário do palco ao comando da deusa da canção brasileira. A retina do espectador se avermelha quando, impactado de paixão, ouve a cantora falar de mãe, de amor, de gratidão.

"Amor Festa Devoção", DVD recém-lançado, representa narrativas de um tempo passado e presente que Maria Bethânia oferece à posteridade. E consolida retratos do Brasil de dentro, tão esmeradamente cantado pelo olhar etnográfico desta artista nascida em Santo Amaro da Purificação.



Há quem se prenda às repetições que Bethânia sempre traz, mas para quem assiste este audiovisual e penetra na verve cênica e musical que ela imprime em seus shows, vaticina este trabalho fílmico, musical, poético, dedicado à mítica dona Canô, como obra monumental. Monumento à altíssima cultura brasileira. O sentido, ali, se grava na idéia de que o mais simples é muitas vezes o mais sofisticado. E que a feição fundamental do povo brasileiro, para além dos engendramentos industriais que geram o desenvolvimento, é a realização da festa. Sem vergonha nem preguiça, neste DVD de Bethânia, é a festa, em suas perfilações sócio-existênciais, a maior expressão do povo brasileiro.

Em "Amor Festa Devoção", aquela menina que, aos 19 anos, ganhou o Rio de Janeiro, é hoje a grande senhora de nossas produções fonográficas de qualidade, e apesar da inflexão de seu sotaque quase carioca, se mostra despudoramente baiana.

A costura musical executada pela primorosa banda à guisa orquestral de Jaime Alem, a ocupação corretíssima do palco, aquela voz que envelhece melhorando e transformando a canção popular no mais engenhoso produto artístico feito neste País, o figurino que bem veste a mulher, o repertório desfiando aparentes incongruências e a energia de transcendência que ela emite de si para quem a assiste, são compósitos de um show erguido do movimento humano mais poderoso: o amor incondicional. E todos os respingos desse sentimento raro podem ser alcançados nas imagens e no som deste mais recente trabalho lançado ao mercado por nossa Maria Bethânia.

O DVD Amor Festa Devoção é uma dança sobre estrelas no céu vermelho de Oyá.



Domingo, 12 de dezembro de 2010, 09h53 - Marlon Marcos - De Salvador (BA)